O desembargador Virgílio Macedo Júnior, do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Norte (TJRN), decretou a prisão dos secretários estaduais de
Administração e Recursos Humanos, Antônio Alber da Nóbrega, e do Planejamento e
Finanças, Francisco Obery Rodrigues Júnior. A decisão, publicada na tarde de
ontem, não havia sido cumprida até o fechamento desta edição. Ambos secretários
não foram encontrados pelo oficial de Justiça. Em nota, o Governo do Estado
afirma estar "surpreso" com a decisão e um pedido de revogação da
prisão seria enviado, ainda ontem, ao Tribunal.
Para decretar a prisão dos secretários, o magistrado usou como argumento
o fato dos gestores descumprirem decisões judiciais que determinam a concessão
de reajuste salarial a servidores públicos estaduais, conforme a Lei
Complementar nº 432/2010, que instituiu o Plano de Cargos, Carreiras e
Remuneração dos Órgãos da Administração Direta do Poder Executivo.
A ação que resultou no Mandado de Segurança com Liminar nº
2012.014913-4, com a decretação da prisão, foi impetrada por 23 servidores da
secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC) . A governadora Rosalba
Ciarlini também é parte no processo, mas não teve a prisão decretada devido ao
foro privilegiado. "Tenho conhecimento acerca do foro privilegiado da
Governadora quanto aos crimes comuns, que devem ser processados originariamente
perante ao Superior Tribunal de Justiça, deixo de decretar sua prisão",
escreveu o desembargador.
A decretação da prisão ocorreu em atendimento ao pleito dos advogados
Manoel Batista Dantas Neto e João Helder Dantas Cavalcanti, que representam os
autores da ação. Repetidas decisões do TJRN, proferidas por outros
desembargadores, foram descumpridas, bem como a aplicação de multas não vinham
surtindo os efeitos desejados pelo sistema jurídico. "Essa não é a
primeira vez que ocorre. Temos outras ações onde o Estado já foi condenado e
simplesmente ignora a decisão", disse o advogado Manoel Dantas.
De acordo com os advogados, o Governo do Estado concedeu, desde o mês de
setembro de 2010, em média, apenas 30% do aumento salarial assegurado pela lei
que institui o Plano de Cargos. Os dois secretários foram notificados nos dias
10 e 12 de dezembro acerca da decisão liminar que determinava o reajuste
imediato nas remunerações, inclusive com a fixação de multa diária no valor de
R$ 1 mil a cada uma das autoridades em caso de descumprimento. Entretanto, não
houve o cumprimento da determinação.
O desembargador Virgílio Macedo Júnior destacou que "com efeito, o
descumprimento de decisão judicial é a forma mais grave de desrespeito ao
funcionamento do aparelho judicial. Todos os atos ou omissões, culposos ou
dolosos, que criem dificuldades ao alcance do resultado jurídico prático,
causam embaraço à efetivação da tutela jurisdicional".
Procurados
O decreto de prisão não foi cumprido porque os secretários não foram
encontrados pelo oficial de Justiça do TJRN. Na decisão, o desembargador
afirmou que os gestores deveriam ser recolhidos no Quartel do Comando da
Polícia Militar. Os secretários foram procurados nas sedes das secretarias, mas
não foram encontrados. De acordo com servidores da secretaria de Administração,
na manhã de ontem, o secretário Antônio Alber esteve no local, mas passou pouco
tempo. Já o secretário de Finanças e Planejamento, Obery Rodrigues, não esteve
no prédio da secretaria.
O Procurador-geral do Estado, Miguel Josino, disse que eles estavam em
"outro local" e só iriam responder à intimação quando uma decisão
sobre qual seria o posicionamento do Governo fosse definida. Na noite de ontem,
o Poder Executivo divulgou uma nota, mas até o fechamento desta edição, os
secretários não haviam sido localizados.
Projeto foi elaborado no governo Wilma
O ex-governador Iberê Ferreira de Souza, que sancionou a lei que definiu
o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração da administração direta afirmou ontem
que a Lei foi elaborada durante a administração de Wilma de Faria. Segundo ele,
o estudo para a implantação do PCCR foi encaminhado, junto com o texto da Lei
para a Assembleia Legislativa do Estado, onde foi aprovada à unanimidade pelos
deputados estaduais e sancionado por ele, depois que assumiu o governo. De
acordo com Iberê, após a sanção, negociou o cumprimento da Lei com vários
sindicatos da administração e ficou acertado que até o fim daquela gestão seria
pago 30% e o restante iria ser pago na gestão seguinte, sendo ele reeleito ou
não naquele ano. "A lei foi feita para ser cumprida e eu cumpri a
minha parte", afirmou.
O ex-governador ainda criticou o descumprimento do pagamento dos servidores.
Segundo ele, em sua gestão o aumento foi cumprido e, hoje, a situação
financeira do governo é bem melhor do que em 2010, com arrecadação recorde, e
nada justifica que o Plano de Cargos não esteja sendo cumprido. "Com isso,
o Governo do Estado demonstra claramente que não valoriza os servidores público
do Estado", disse.
A ex-governadora Wilma de Faria, atual vice-prefeita de Natal, respondeu
por e-mail as perguntas da reportagem sobre o PCCR elaborado na gestão dela. Na
nota, ela afirmou que na época da votação do projeto, a Assembleia aprovou
emendas de deputados oposicionistas que oneravam a folha salarial do Estado. O
texto afirma também que alguns vetos evitariam os excessos. "Mas os vetos
foram todos derrubados pela ação - justamente - dos partidos ligados à atual
governadora Rosalba, exatamente os que a elegeram", destacou.
Iberê Ferreira sancionou o Plano de Cargos
A Lei Complementar nº 432/2010 foi assinada pelo então governador Iberê
Ferreira de Souza em 1º de julho de 2010 e instituiu o Plano de Cargos,
Carreiras e Remuneração dos Órgãos da Administração Direta do Poder Executivo.
A legislação fixa as diretrizes básicas da política de ingresso, carreira e
remuneração dos servidores. O texto divide os funcionários estaduais em três categorias
(Operacional, Médio e Superior). Cada uma dessas categorias possui 14 níveis
remuneratórios e três níveis de gerências. Os salários previstos variavam
entre R$ 765,00 e R$ 6.120,04, de acordo com a categoria e nível ocupado
pelo funcionário.
O texto original da Lei previa a implantação escalonada das novas
remunerações. Para os funcionários dos níveis Médio e Superior, a previsão era
de pagamento de 50% dos efeitos financeiros a partir de 1º de novembro de 2010,
acrescidos de 25% a partir de março de 2011 e os outros 25% em setembro de
2011. Para os funcionários do Nível Operacional as vantagens remuneratórias
seriam pagas na totalidade a partir de 1º de novembro de 2010.
O artigo 38 da Lei, condicionava a implantação do Plano de Cargos, Carreira
e Salários à legislação federal de Responsabilidade Fiscal, que limita as
despesas públicas com pessoal.
De acordo com a decisão do desembargador Virgílio Macedo Júnior, no
texto na petição inicial dos funcionários públicos estaduais o Governo do Estado
concedeu, desde o mês de setembro de 2010, em média, apenas 30% do aumento
salarial assegurado pela lei.
Governo defende secretários e lembra restrições da LRF
O Governo do Estado emitiu ontem uma nota de esclarecimento sobre o
decreto de prisão dos dois secretários. O texto relatou que o Governo ficou
surpreso com a decisão do desembargador e afirma que "nenhum dos dois
auxiliares citados são acusados de crime contra o patrimônio público". A
nota explicou ainda que a Lei 432/2010 "não atende aos critérios da
Lei de Responsabilidade Fiscal e não condiz com a realidade financeira do
estado". Segundo o documento, "a própria Lei utilizada para embasar a
decisão do Desembargador, no seu artigo 38, condiciona sua validade ao
cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal".
O governo, de acordo com o texto divulgado pela Assessoria de
Comunicação, não considerou que houve descumprimento das decisões judiciais uma
vez que entrou com recursos contra as sentenças que determinaram o cumprimento
dos planos de cargos e carreira. "Todas as decisões judiciais que
determinaram a implementação dos planos foram recorridas e aguardam decisão
definitiva da Justiça", destacou.
O procurador-geral do Estado, Miguel Josino, apresentou uma versão
divergente na defesa dos secretários que tiveram a prisão decretada pelo
desembargador Virgílio Macedo. Miguel Josino afirmou que as decisões que
envolve os 23 servidores no processo específico que resultou na decretação das
prisões foram cumpridas, com os aumentos implementados nos contracheques de
janeiro (veja texto abaixo).
Procurador quer revogar as prisões
O Governo do Estado vai pedir a revogação das prisões dos secretários
Francisco Obery Rodrigues Júnior e Antônio Alber da Nóbrega. Embora a nota de
esclarecimento do Governo do Estado deixe claro que o Plano de Cargos,
Carreiras e Salários definido pela Lei Complementar 432/2010 não foi efetivado
devido à Lei de Responsabilidade Fiscal, o Procurador-geral do Estado, Miguel
Josino, apresentou uma nova versão para solicitar a revogação do decreto das
prisões. Segundo Josino, os 23 servidores que ingressaram com a ação contra o
Governo já receberam o reajuste no salário. "Desde o dia 21 de janeiro, o
contracheque destes servidores já estão com o reajuste solicitado",
explicou.
Segundo o Procurador, houve um erro de comunicação ao TJRN. "A
decisão judicial obrigava o pagamento do Plano para os servidores e isso foi
feito. O problema é que não foi comunicado ao desembargador", explicou.
Ontem à noite, Miguel Josino afirmou que estava com cópia dos 23 contracheques
e iria ingressar com um pedido de revogação de prisão no plantão do Tribunal. O
pedido seria analisado pela desembargadora Zeneide Bezerra. De acordo com o
Procurador-geral, a decisão sobre a revogação deveria ser analisada ainda
ontem, porém, segundo a assessoria de imprensa do TJRN, apenas o Pleno do TJ
poderia decidir sobre a possível revogação do pedido ou o próprio Virgílio
Macedo.
Advogados têm novos pedidos
Se depender dos advogados que representam os autores da ação que
culminou com a decretação de prisão dos secretários Antônio Alber e Obery
Rodrigues, o Governo do Estado terá mais dor de cabeça para resolver as pendências
judiciais. Segundo o advogado Manoel Batista Dantas Neto, há outras ações com
decisões parecidas que podem resultar em novos decretos de prisão. "Temos
demanda em todas as áreas do Governo. São várias decisões que não são
cumpridas", avisou. Órgãos como Detran, Fundação José Augusto, Idema e
Idiarn figuram entre as secretarias com demanda judicial.
O advogado explicou ainda que o Procurador-geral do Estado, Miguel
Josino, pode ser responsabilizado caso os secretários não sejam encontrados
para responder a intimação de prisão. "O que sei é que ele [Miguel Josino]
orientou que os secretários não se apresentassem e ficassem em local não
conhecido. Isso não é correto", destacou.
Governo e TJ têm divergências há dois anos
O Governo do Estado e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte teve,
nos últimos dois anos, diversos momentos de tensão, com divergências na
elaboração do projeto de orçamento ou na transferências dos recursos do
Executivo ao Judiciário.
Em 2011, quando da elaboração do OGE 2012, o impasse se deu pelo
descompasso entre a proposta da administração estadual enviada para apreciação
dos deputados na Assembleia Legislativa e o pleito do Tribunal de Justiça e do
Ministério Público. O Executivo havia fixado uma estimativa de R$ 689,556
milhões para as despesas do Tribunal de Justiça e de R$ 230,870 milhões para as
do MP. Nos requerimentos enviados ao governo, no entanto, o TJ pediu R$ 766,417
milhões e o MP R$ 243,992 milhões.
Os conflitos entre o Judiciário e o Executivo continuaram em 2012, com
reclamações do TJ quanto aos repasses inferiores aos previsto na lei
orçamentária. Na semana passada, houve novos momentos de tensão com os vetos do
governo ao projeto de orçamento, que deixaram o Tribunal de Justiça
praticamente com R$ 3 milhões de orçamento para 2013, insuficientes para cobrir
a folha e o custeio da instituição.
Confira a íntegra da nota do governo:
"O Governo do Estado do Rio Grande do Norte vem a público declarar
sua surpresa diante da decisão do Desembargador Virgílio Macedo Júnior que
decretou hoje a prisão dos Secretários de Estado da Administração e do
Planejamento, por alegado descumprimento de decisão judicial.
A honradez, a lisura, a honestidade e a idoneidade de Francisco Obery
Rodrigues Júnior e de Antônio Alber da Nóbrega são inquestionáveis. Os dois
secretários têm longa experiência profissional, tendo ocupado diversos cargos
na administração pública e na iniciativa privada, sempre desempenhando suas
atividades com zelo e probidade.
Como é de conhecimento de toda a sociedade potiguar, o plano de cargos,
carreiras e salários (Lei Complementar 432/2010) aprovado às vésperas das
eleições de 2010, objeto da referida decisão judicial, não atende aos critérios
da Lei de Responsabilidade Fiscal e não condiz com a realidade financeira do
estado.
A própria Lei utilizada para embasar a decisão do Desembargador, no seu
artigo 38, condiciona sua validade ao cumprimento da Lei de Responsabilidade
Fiscal quando estabelece: "A implementação desta Lei Complementar fica
condicionada à observância dos requisitos do art. 169, parágrafo primeiro, da
Constituição Federal, das normas limitadoras da despesa pública com pessoal do
Poder Executivo previstas na Lei Complementar Federal 101, de 04 de maio de
2000, bem como da Lei Federal 9.504, de 30 de setembro de 1997." Isto é, a
Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei Eleitoral, respectivamente.
Todas as decisões judiciais que determinaram a implementação dos planos
foram recorridas e aguardam decisão definitiva da Justiça.
O Governo do Estado reitera que nenhum dos dois auxiliares citados pelo
Desembargador são acusados de crime contra o patrimônio público. Os dois
Secretários, ao aguardarem o desfecho dos recursos judiciais, estão defendendo
o equilíbrio das finanças públicas e também agindo em defesa do Estado do Rio
Grande do Norte".
Foto: Magnus Nascimento/Fonte: Tribuna do Norte, postado por Marcos Imperial.
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